Este texto foi publicado no jornal Público de 14 de Novembro de 2005!
Partilho-o aqui porque sinto que é bom desabafo de quem está farto da
mesma coisa, apesar de fazer parte do mesmo regime!
Boa leitura e bons pensamentos:
"O PSD não esteve bem no debate parlamentar sobre o Orçamento de
Estado para 2006.
A sua fragilidade decorreu dos argumentos aduzidos para fundamentar o
voto contra o documento orçamental.
De facto, não é fácil sustentar que são, "em geral", correctos os
objectivos da política económica e social subjacente à proposta
orçamental e justificar um voto contra, na "generalidade", em questões
que de mero detalhe.
Os portugueses suspeitam, com razão, que se fosse o PSD a governar,
estaria a aprovar aumentos de taxas moderadoras na saúde, a actualizar
as propinas, a reforçar o princípio do utilizador/pagador, a defender
uma carga fiscal com o peso da actual e a hesitar à volta de reformas
estruturais, reformas estruturais, cujos objectivos ninguém tem
mostrado ter na cabeça.
A sustentar esta tese, recorde-se que o actual líder da Oposição foi o
porta-voz parlamentar de um Governo que, no essencial, adoptou, embora
de forma mitigada, idêntica matriz de governação. No fundo, PSD e PS
transformaram-se no "clone" um do outro.
Este é um fenómeno que também encontra paralelo nos partidos do centro
no espaço europeu.
Na União Europeia, face à crise instalada, interiorizou-se que o
relançamento da economia e da competitividade só será possível com
urna única fórmula: reduzir direitos sociais e obrigar os cidadãos a
contribuírem aluda mais para o funcionamento dos serviços públicos.A
esta atitude juntam-se outras que transformaram a maioria dos líderes
europeus em verdadeiros pirómanos, ao pretenderem travar o descontrolo
das finanças públicas, com cortes significativos no investimento e
«aumento de impostos sobre as empresas e sobre o consumo. Estas
medidas só têm servido para arrefecer ainda mais a economia europeia.
Este caminho é suicida porque parte de um diagnóstico errado da
realidade. A globalização é a única via capaz de promover um
desenvolvimento harmonioso ao nível mundial. Contudo, o liberalismo
económico assente na livre circulação de mercadorias e capitais terá
de ser acompanhado de acordos com os países de Leste e Oriente,
visando uma harmonização de regras sobre direitos humanos, ambientais,
sociais.
Sem essa harmonização, a Europa torna-se numa presa fácil às mãos da
capacidade de inovação americana e do capitalismo selvagem do
Oriente.
Sem essa harmonização, estamos a destruir os nossos padrões de vida
em sociedade e o nosso conceito de Estado Social, a troco de uma
competitividade que nunca, por essa via, será atingida.
Enquadremos agora o caso português, no contexto desta análise
europeia, e regressemos ao documento orçamental.
O PSD devia votar contra este Orçamento mas por outras razões. Assim,
devia ter havido a clarividência para defender uma redução da carga
fiscal, nomeadamente sobre as empresas. E devia ter havido uma
verdadeira determinação social-democrata para defender o essencial da
arquitectura do nosso Estado Social.
Mas mais. Votar contra o Orçamento, mas defender o investimento
público, pensado com objectivos mais reprodutivos, e não permitir que
seja travado em nome de objectivos estéreis.
As reformas da Administração Pública, da Justiça, da Saúde, da
Educação deviam avançar rápida e radicalmente. Com clareza devia se
propor ao País um contrato de cidadania conducente à acelerada
modernização da Máquina estatal.
Defender o Estado Social sim, mas adoptar legislação laboral que
permita agilizar e tornar mais eficiente a nossa administração
pública.Apostar na redução da carga fiscal; apostar na defesa dos
direitos sociais, com especial ênfase naqueles que incidem sobre os
reformados, é uma via que pode significar progresso. E preciso
arriscar trilhar este caminho, embora sabendo que tal se irá traduzir
num esforço orçamental para a próxima meia dúzia de anos,
Todavia, estou convencido que este é o único caminho para que, em paz
social, se atinja a modernização do Estado e o equilíbrio das contas
públicas.
A médio prazo, através do resultado das reformas acima propostas e, a
curto prazo, através da utilização transitória de receitas
extraordinárias, desmistificando os argumentos contra esta ideia.
Neste contexto, a constituição de um Fundo para o Desenvolvimento e
Modernização, que financie um défice orçamental transitório, é uma
peça nuclear desta nova política.
A venda de parte do ouro armazenado no Banco de Portugal e a emissão
de títulos da dívida pública de longo prazo, tal como tem sido
defendido por economistas como Miguel Cadilhe, a alienação
criteriosa de um imenso património imobilizado e inútil. e a afectação
a estes objectivos do próximo Quadro Comunitário de Apoio, são outros
pilares deste rumo alternativo.
Votar contra o Orçamento sim, mas apresentar uma contraproposta
credível e sustentada, era isso que gostava de ter visto o PSD fazer
no debate parlamentar. Dei aqui o meu contributo para um novo ramo e
uma nova política, que ajude a operar a modernização do Estado em meia
dúzia de anos. E que, desta maneira, Portugal sirva de exemplo para
que também a Europa mude de vida."
Luís Filipe Menezes
Militante do PSD, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia.