Para mais tarde, reflectir.
Escrito por Luís Salgado de Matos, Investigador de Ciências Políticas, cronista habitual do jornal Público, retirado da edição deste de 14 de Novembro de 2005:
"Os violinos do Titanic
Dentro de poucas semanas, o Banco Central Europeu (BCE) passará a recusar garantias dadas pelos países com economias deficitárias, Consequência? Aumentará o juro pago por estes maus alunos. Entre os quais Portugal.
Desde que há euro, quando um banco português aparecia a pedir dinheiro emprestado ao BCE e dava como garantia dívidas do Estado português – ou de empresas portuguesas bem classificadas -, o banco aceitava as garantias - e emprestava. Dentro em breve, o BCE dirá: «desculpe, você tem a classificação A- (Amenos), dada pela agência Standard & Poor's e por isso não aceito as suas garantias».
Quarta-feira da semana passada, este foi este o tema da imprensa económica europeia. Este movimento do BCE não era uma surpresa. Era a resposta dos banqueiros centrais ao laxismo manifestado pelos políticos, quando aliviaram os requisitos do pacto de estabilidade. E, já agora, era também a resposta desses banqueiros à falta de discriminação dos mercados. Porque os mercados continuaram a dar um juro tão baixo aos maus devedores, tipo Portugal, como aos bons devedores.
Seja como for, os mercados aumentaram logo o "spread" sobre os empréstimos portugueses. Porque o risco português aumentou. Portugal ainda não está no A- mas para lá caminha. O leitor já começou a pagar mais pelo dinheiro transpirenaico que nos emprestam: o seu banco paga mais, o Estado mais paga. Os deputados, governamentais ou oposicionistas, abordaram este problema no debate orçamental? A televisão mencionou-o? A imprensa fustigou os banqueiros miseráveis que querem pôr o pobre Portugal a pagar mais pelo dinheiro dos ricos?
Além do preço do petróleo, o preço do dinheiro é o que mais afecta o orçamento do nosso Estado. Por isso, o debate parlamentar e jornalístico é a Rainha de Copas a dizer: «A sentença primeiro, as provas depois». Não há pior cego do que quem não quer ver. É melhor o leitor saber que a próxima decisão do Banco Central Europeu – o nosso Banco Central de Portugal – logo chegará à sua conta bancária. Sob a forma de juros mais altos e de mais desemprego.
Porque a triste verdade é: as más contas diminuem a capacidade de competir no mercado mundial. O último relatório do Fórum Mundial da Competitividade surpreendia-se porque a Suécia é muito concorrencial e tem um gigantesco sector público. A surpresa resulta do peso da ideologia: a ideologia liberal diz que o sector público diminui a competitividade.
A verdade é outra: o défice diminui a competitividade. Por uma razão óbvia. O deficitário paga a energia, os transportes e os salários ao mesmo preço do credor – mas este tem juros mais baixos. E por isso tem menores custos de produção. E, como tem menores custos de produção, vende mais barato.
Enquanto copiarmos o orçamento de despesas da Suécia e o orçamento de receitas do Burundi, não seremos concorrenciais."
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