quinta-feira, novembro 17, 2005

Os Violinos do Titanic

Para mais tarde, reflectir.

Escrito por Luís Salgado de Matos, Investigador de Ciências Políticas, cronista habitual do jornal Público, retirado da edição deste de 14 de Novembro de 2005:

"Os violinos do Titanic

Dentro de poucas semanas, o Banco Central Europeu (BCE) passará a recusar garantias dadas pelos países com economias deficitárias, Consequência? Aumentará o juro pago por estes maus alunos. Entre os quais Portugal.

Desde que há euro, quando um banco português aparecia a pedir dinheiro emprestado ao BCE e dava como garantia dívidas do Estado português – ou de empresas portuguesas bem classificadas -, o banco  aceitava as garantias - e emprestava. Dentro em breve, o BCE dirá: «desculpe, você tem a classificação A- (Amenos), dada pela agência Standard & Poor's e por isso não aceito as suas garantias».

Quarta-feira da semana passada, este foi este o tema da imprensa económica europeia. Este movimento do BCE não era uma surpresa. Era a resposta dos banqueiros centrais ao laxismo manifestado pelos políticos, quando aliviaram os requisitos do pacto de estabilidade. E, já agora, era também a resposta desses banqueiros à falta de discriminação dos mercados. Porque os mercados continuaram a dar um juro tão baixo aos maus devedores, tipo Portugal, como aos bons devedores.

Seja como for, os mercados aumentaram logo o "spread" sobre os empréstimos portugueses. Porque o risco português aumentou. Portugal ainda não está no A- mas para lá caminha. O leitor já começou a pagar mais pelo dinheiro transpirenaico que nos emprestam: o seu banco paga mais, o Estado mais paga. Os deputados, governamentais ou oposicionistas, abordaram este problema no debate orçamental? A televisão mencionou-o? A imprensa fustigou os banqueiros miseráveis que querem pôr o pobre Portugal a pagar mais pelo dinheiro dos ricos?

Além do preço do petróleo, o preço do dinheiro é o que mais afecta o orçamento do nosso Estado. Por isso, o debate parlamentar e jornalístico é a Rainha de Copas a dizer: «A sentença primeiro, as provas depois». Não há pior cego do que quem não quer ver. É melhor o leitor saber que a próxima decisão do Banco Central Europeu – o nosso Banco Central de Portugal – logo chegará à sua conta bancária. Sob a forma de juros mais altos e de mais desemprego.

Porque a triste verdade é: as más contas diminuem a capacidade de competir no mercado mundial. O último relatório do Fórum Mundial da Competitividade surpreendia-se porque a Suécia é muito concorrencial e tem um gigantesco sector público. A surpresa resulta do peso da ideologia: a ideologia liberal diz que o sector público diminui a competitividade.

A verdade é outra: o défice diminui a competitividade. Por uma razão óbvia. O deficitário paga a energia, os transportes e os salários ao mesmo preço do credor – mas este tem juros mais baixos. E por isso tem menores custos de produção. E, como tem menores custos de produção, vende mais barato.

Enquanto copiarmos o orçamento de despesas da Suécia e o orçamento de receitas do Burundi, não seremos concorrenciais."

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